Durante toda essa semana, os meios de comunicação, principalmente a internet, estiveram empolvorosos com a notícia da saída iminente do jornalista da TV Globo, Evaristo Costa, âncora do “Jornal Hoje” por 14 anos ao lado de sua colega de bancada, Sandra Annenberg.​

O furo de reportagem, dado pela coluna de tv do Jornal Folha de São Paulo na internet, parecia fake. Afinal, falava-se de um dos mais carismáticos jornalistas televisivos da atualidade e da principal rede de comunicação da América Latina. Logo, seria um despautério a saída dele, uma vez que todo jornalista, ou ao menos 1 em cada 3, sonha em fazer parte do quadro de funcionários do departamento de comunicação da principal rede de televisão do Brasil.

De fato, há mais de meio século, o grupo Globo tem ditado regras, moda e tendência nas principais questões da vida e do cotidiano do cidadão brasileiro [e não só. Seus produtos são exportados para inúmeros países]. Por meio de suas produções primorosas, a Rede Globo exporta o seu principal produto: as novelas. Desde Janete Clair, que consagrou o modo de fazer teledramaturgia no Brasil, as novelas foram por muito tempo o principal entretenimento do brasileiro. Novelas como “Irmãos Coragem”, “Tieta”, “Rainha da Sucata”, entre outras, já chegaram aos índices estratosféricos de 90% no ibope. Isso significa que quase todos os televisores ligados, naquele horário, estavam sintonizados na Rede Globo de televisão. A tv impõe uma atenção quase idolátrica. A imagem requer atenção exclusiva. Diante dela, somos todos adoradores.

A história da Comunicação no Brasil passa, necessariamente, pelo Sistema Globo de Comunicação. Ele ainda é referência para as demais televisões e grupos comunicacionais do país. Seus programas de calouro que remontam ao “Velho Guerreiro”, o Chacrinha, a educação infantil entregue à eterna “rainha dos baixinhos”, Xuxa Meneghel, e a principal fonte de informação e credibilidade do país, o Jornal Nacional, tornaram a Rede Globo uma presença imperiosa nos lares brasileiros. Por meio de seus autores, diretores e artistas, os valores cíveis, morais e intelectuais foram minuciosamente moldados segundo suas diretrizes. Nada foi de modo ingênuo ou desprovido de teleologia.  Afinal, o senso comum já consagrara: se passou na Globo é por ser verdade. O “plim plim” era sinônimo de confiança indubitável.  

Entretanto, nem só de glamour vive o império dos “Marinhos”. Nas comemorações dos 50 anos da televisão brasileira, a rede Globo reconheceu, com muito atraso, sua participação ativa e sua influência determinante no período mais obscuro do Brasil: a ditadura. Com seu poder homogêneo e de massa, ela entra nos lares brasileiros e impõe a sua visão de mundo, suas interpretações dos fatos e reitera até à exaustão sua compreensão sobre a política, a economia, a cultura, os costumes e os valores. E tudo isso sem a menor cerimônia ou imparcialidade. Como empresa, a Globo tem metas claras e uma missão cujo fim desconhecemos e que não se trata unicamente de informar e entreter. Sua influência e abrangência nacionais é um case para o mundo business que é, inclusive, motivo de estupefação para conglomerados como a norte-americana CNN e a britânica BBC.

Na história recente, embora com o avanço da internet e o crescimento de outras emissoras, a Rede Globo ainda mantém o seu braço forte sobre a política e a economia nacionais. Os enfoques não são sem razão e os “plantões” bem como a linha de compreensão são minuciosamente estudados segundo seus interesses mercadológicos. Seus mentores e colaboradores mais diretos estão circunscritos a uma linha empresarial que não deixa dúvidas: é preciso salvaguardar o patrimônio ideológico e financeiro a qualquer custo. Deve-se preservar a instituição “Globo” acima de qualquer outro interesse. Escândalos não são mais tolerados nem escondidos.

Alguns funcionários da casa sentiram, recentemente, o peso dessa normativa. Crimes cometidos por seus colaboradores foram manchetes em seus principais telejornais. Nenhum deslize será mais minimizado. Aparentemente, ninguém estará mais blindado pela “platinada”. E em tempos de recessão, se não der lucro, ibope ou não for mais interessante para o mercado, até mesmo os chamados “monstros sagrados” de outrora, que se pensavam ser propriedades imateriais do Grupo Globo como Xuxa Meneghel, por exemplo, poderão ter seus contratos rescindidos. Como Televisão vive da imagem, todos os “rostinhos bonitos” de hoje sofrerão o decrépito do amanhã. Salvo pouquíssimas exceções. Infeliz de quem se considerar eterno nesse meio.

Por tudo isso, a saída de Evaristo Costa causou grande burburinho na rede. Como pode um jornalista tão conceituado deixar uma empresa tão próspera e com tamanho renome como  a Rede Globo? Quem, em sã consciência, deixaria um trabalho com tantas possibilidades, visibilidade e reconhecimento profissional como esse? Evaristo Costa deixou. Com sua saída, ele nos deu uma ótima notícia, talvez a mais importante nesses seus 14 anos à frente do vespertino “Jornal Hoje”: há vida fora da caixinha. Sim. Há vida depois da Globo! Há felicidade em outros lugares e é sempre possível recomeçar de novo. Seu brilhantismo se deve ao fato de que ele não saiu num momento opaco da sua atuação. Ele deixa a redação, o teleprompter, os bastidores, enfim, a “mágica da televisão”, ainda no auge para assumir uma outra função ainda mais próspera e inadiável: a de ser ele mesmo. Grandes instituições, corporações, empresas e afins, tendem a neutralizar a individualidade dos seus contratados e/ou membros. Passam a pensar o que pensam os seus superiores. Seguem a cartilha. 

Oficialmente, sua saída é para um tempo merecido de descanso e de presença maior junto à família. O jornalismo exigia mais do que ele estava disposto a dar. O sacrifício não estava mais compensando. Para o homem, pai, esposo, Evaristo Costa, a família estava preterida e isso não poderia mais ocorrer. Sua esposa e filhas necessitam de sua presença mais ativa e atuante. O amor pelos seus e o cuidado com a própria saúde, psíquica, intelectual, biológica e emocional, estava pedindo – exigindo? – uma atenção maior. Ele não se fez de rogado. Como homem integral que parece ser, e com sua capacidade de raciocínio lógico, não titubeou: é hora de dar uma parada; mudar o foco, fazer outra coisa, ou, simplesmente, não fazer nada. É hora de “sair da telinha” e buscar um ar novo para os pulmões, uma visão nova para os olhos e uma atenção maior para com as coisas do coração.

Evaristo Costa nos ensina a não nos prender nas coisas nem naquilo que nos parece “tábua de salvação”. Nada é mais firme do que o amor que damos e podemos receber dos de dentro de nossas casas, dos nossos familiares e dos nossos amigos. Mas amor requer cuidados, atenção, presença frutuosa. Logo, nada nem ninguém pode estar acima de nossos pais, cônjuge ou filhos. A vida não vale a pena se tornada apenas “trabalho”, ainda que bem sucedido e com reconhecimento de milhões de pessoas. Isso, por si só, não nos basta. Não é capaz de satisfazer as exigências mais reais e honestas do nosso coração. Nossa alma requer infinitamente mais. Ela reivindica de nós aquele “tesouro” que não se constrói com anos de dedicação às coisas passageiras. Sim. Trabalho, rede Globo, instituições e afins, passam. Amor de pai, mãe, esposa (a), filhos, amigos, e o amor próprio, sobretudo, não passa jamais. Mas pode, infelizmente, sofrer sérias avarias se não receber a atenção e o cuidado que merece.

Eis a lição que este jovem jornalista deixa para todos os seus fãs, seguidores (das redes sociais) e todo aquele que o viu ou ouviu em algum momento nesses 14 anos de prática do jornalismo: pense, repense, pondere e avalie o caminho seguido. Talvez a travessia esteja muito boa e sejamos até muito felizes enquanto seguimos. As coisas – lugares e até pessoas – não têm necessariamente que ser ruim ou estar ruim para reconsiderarmos a permanência. E este é um critério de discernimento. Por vezes, o bom, o aparentemente bom e o realmente bom não nos convém; não nos satisfaz e compensa. Não é tão interessante ou não nos fará bem a longo prazo. Porém, há perguntas intransferíveis que precisamos nos fazer todos os dias. É indispensável a honestidade para consigo mesmo e, se chegarmos á conclusão de que é hora de parar ou fazer algo oposto ao que estamos fazendo, voilà; decrete o fim e recomece. Viver é irrevogável ou melhor, como dizia o amigo lusitano Fernando Pessoa, “navegar é preciso. Viver [definitivamente] não é preciso”.

Toda sorte do mundo e meus mais sinceros votos de felicidade ao ser humano, Evaristo Costa. E muito obrigado por essa notícia que anima tanto o nosso coração. Deus o guarde e à sua família. 

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Por, Pe. Claudemar Silva

www.padreclaudemarsilva.com

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